2006/11/24

"O PAÍS DOS CLÃS E DAS 18 CONFISSÕES"

Público: "No Líbano os chefes dos clãs ou das comunidades religiosas forjam e quebram alianças conforme as vantagens do momento. Não há ódio sectário, mas pactos de ocasião

O delicado balanço do poder no Líbano é mantido com um rígido sistema de quotas e alocação de cargos aos grupos comunitários. Já foi dito que a força do Líbano é a sua fraqueza - o delicado balanço implica que as instituições decisórias sofram de alguma paralisia. A divisão de poder foi essencial para terminar a guerra civil (1975-1990) no Líbano, um país com 18 religiões reconhecidas oficialmente.Mas um sistema em que a partilha é feita pelos quatro grupos principais, cristãos, sunitas, xiitas e drusos, tem como pano de fundo uma complexa teia de divisões de clãs entre cada comunidade. Os chefes dos clãs por vezes são os chefes dos partidos que os representam, como Walid Jumblatt com os drusos; mas outras vezes os clãs servem apenas de base para o apoio a uma figura ou partido. Alguns destes chefes de clãs, e muitos dos líderes políticos actuais, comandaram forças que lutaram na guerra civil. As alianças entre vários clãs e grupos comunitários são muito comuns no Líbano - e os representantes não hesitam em fazer ou desfazer pactos conforme a situação e as vantagens que daí possam tirar.

Os clãs não se esgotam nas tradicionais famílias antigas - a família Hariri, por exemplo, ascendeu à condição de clã com Rafiq Hariri a enriquecer na construção civil e a notabilizar-se na reconstrução de Beirute e a ajudar na negociação dos acordos que puseram fim à guerra civil, para chegar depois a primeiro-ministro; e entretanto o seu filho, Saad Hariri, encabeçou a lista da oposição anti-Síria.A mutabilidade das alianças é visível na actual divisão do país em dois campos principais, anti-sírio e pró-sírio, em que se vêem no mesmo lado da barricada cristãos do clã Gemayel e drusos de Jumblatt (inimigos durante a guerra civil), e reviravoltas como a do general Michel Aoun, que foi obrigado ao exílio depois de ter levado a cabo uma luta contra a Síria, e regressou ao Líbano após a retirada das tropas de Damasco, para acabar por se juntar ao campo pró-sírio.O Líbano é definido pelo sectarismo - embora entre os jovens urbanos a pertença ao grupo já não seja tão definidora, ainda é impossível casar elementos de duas religiões diferentes.

A situação é completamente diferente da das comunidades da antiga Jugoslávia ou do Iraque.

A guerra civil não foi motivada por ódios "naturais" entre xiitas e sunitas, cristãos e drusos. O país tem sido muito influenciado pelos interesses estrangeiros - para quem é fácil escolher um grupo, apoiá-lo e armá-lo - e é assim palco frequente das chamadas "guerras por procuração", como aconteceu no Verão passado. "Se os libaneses parassem de confiar nos estrangeiros", comentava o jornalista britânico Robert Fisk, "e confiassem uns nos outros, acabariam os pesadelos da guerra civil."

A família Gemayel encarna bem a definição do clã típico no Líbano - ainda por cima com vários assassínios (cinco membros foram mortos) e uma história de poder e domínio que passaram nas últimas três gerações, de pai para filho, e iniciada por Pierre Gemayel, avô do deputado também Pierre agora assassinado, que após uma visita à Alemanha nazi - mais concretamente às Olímpiadas de Berlim -, regressou tão impressionado com a disciplina hitleriana que quis seguir o modelo e fundou o Partido da Falange.

Pierre Gemayel, o neto, é filho de Amin, que foi Presidente após o seu irmão Bashir ter sido eleito para o cargo, mas assassinado num atentado atribuído à Síria (por ser aliado de Israel). Também os Gemayel mudaram as suas alianças quer internas quer externas, de pró a anti-Síria, por exemplo. Pierre Gemayel júnior começava a destacar-se na política. Ainda muito novo, era próximo do primeiro-ministro (sunita), Fouad Siniora (homem de confiança do clã Hariri). Foi assassinado quando ia prestar condolências a uma família vizinha que estava de luto". M.J.G.


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