2006/08/28
A Palestina: um problema teológico?
No DN. Anselmo BorgesPadre e professor de Filosofia
"Em 1977, em Jerusalém, tendo-lhe observado que mais cedo ou mais tarde os judeus teriam de partilhar Jerusalém com os palestinianos, um funcionário do Ministério dos Negócios Estrangeiros israelita atirou-me: "Nunca! Não esqueça que esta terra nos foi dada por Deus há três mil anos!" Já antes me tinha confessado que era ateu, mas formara os filhos no conhecimento da Bíblia e celebrava a Páscoa como está determinado. E eu percebi melhor como tantas vezes a religião não passa de cimento ideológico político. De facto, sobretudo desde a fundação do Estado judaico, há dois povos com a consciência de que a Palestina lhes pertence, respectivamente, há três mil e quase 1400 anos: os judeus reportam-se ao reino de David e Salomão - ano 1000 a. C. - e os palestinianos à conquista pelos árabes em 636 d. C. Desde o século XIX, o movimento político sionista lutou por um Estado para o povo judeu - pensou-se na Palestina e também noutras regiões. Assim, embora a tenha apressado, o Holocausto não foi a causa da criação do Estado judaico. Em 29 de Novembro de 1947, por maioria sólida e com o beneplácito dos Estados Unidos e da antiga União Soviética, as Nações Unidas aprovaram a divisão da Palestina em dois Estados: um Estado árabe e um Estado judaico, com fronteiras claras, a união económica entre os dois e a internacionalização de Jerusalém sob a administração das Nações Unidas. Note-se que, apesar de a população árabe ser quase o dobro e os judeus estarem então na posse de 10% do território, ficariam com 55% da Palestina.O mundo árabe rejeitou a divisão. Mas, à distância, mesmo admitindo a injustiça da partilha e suas consequências - é preciso pensar na fuga e expulsão dos palestinianos -, considera-se que a recusa árabe foi "um erro fatal" (Hans Küng). Isso é reconhecido hoje também pelos palestinianos, pois acabaram por perder a criação de um Estado próprio soberano pelo qual lutam. Em 15 de Maio de 1948, terminava o mandato britânico sobre a Palestina e Ben Gurion proclamou o Estado de Israel. A resposta árabe (palestinianos e Estados árabes vizinhos) não se fez esperar, e deflagrou a primeira de seis guerras. Entretanto, o Estado de Israel continua a não ser aceite por muitos árabes e há judeus que acalentam a tentação do sonho de um Estado que abrangesse toda a Palestina. E aí está um dos focos principais de instabilidade mundial.Como já deveria ter-se tornado claro, a guerra não gera a paz, que só pode chegar mediante o diálogo, a diplomacia, cedências mútuas, com dois pressupostos fundamentais: o reconhecimento pelos Estados árabes e pelos palestinianos do Estado de Israel e o reconhecimento por Israel de um Estado palestiniano soberano viável (é pura utopia irracional pensar em Jerusalém como capital dos dois Estados ou na sua internacionalização?).No conflito do Médio Oriente, estão envolvidos homens e mulheres que de um modo ou outro estão vinculados às três religiões monoteístas. A mensagem dessas religiões, apesar de todas as tragédias históricas, é de paz. Lê- -se em Isaías: "Transformarão as suas espadas em relhas de arados, e as suas lanças, em foices. Uma nação não levantará a sua espada contra outra e não se adestrarão mais para a guerra." No Sermão da Montanha, Jesus declarou "bem-aventurados os construtores da paz, porque serão chamados filhos de Deus". No Alcorão, apesar da exortação à "preparação de toda a força" contra os infiéis, ordena-se: "Mas se eles se inclinarem para a paz, inclina-te tu também para ela. E confia em Deus!"O conflito do Médio Oriente é sobretudo político. Mas, como escreveu o teólogo Hans Küng, em duas volumosas obras fundamentais - O Judaísmo e O Islão -, não haverá paz nem no Próximo nem no Médio Oriente enquanto os membros das três religiões monoteístas, que se reclamam de Abraão, se não tornarem activos politicamente, impedindo o fanatismo religioso.Assim, com base na Bíblia hebraica e no Novo Testamento, judeus e cristãos devem empenhar-se no reconhecimento da dignidade dos povos árabes e islâmicos, que "não querem ser as últimas colónias" sobre a Terra. Com base no Alcorão e no Novo Testamento, muçulmanos e cristãos devem comprometer-se com a exigência do reconhecimento do direito à vida do povo judaico, que "sofreu mais do que todos os outros ao longo dos últimos dois mil anos".Com base na Bíblia hebraica e no Alcorão, judeus e muçulmanos devem empenhar-se a favor da "liberdade ameaçada das comunidades cristãs" em muitos países do Próximo e do Médio Oriente.
"Em 1977, em Jerusalém, tendo-lhe observado que mais cedo ou mais tarde os judeus teriam de partilhar Jerusalém com os palestinianos, um funcionário do Ministério dos Negócios Estrangeiros israelita atirou-me: "Nunca! Não esqueça que esta terra nos foi dada por Deus há três mil anos!" Já antes me tinha confessado que era ateu, mas formara os filhos no conhecimento da Bíblia e celebrava a Páscoa como está determinado. E eu percebi melhor como tantas vezes a religião não passa de cimento ideológico político. De facto, sobretudo desde a fundação do Estado judaico, há dois povos com a consciência de que a Palestina lhes pertence, respectivamente, há três mil e quase 1400 anos: os judeus reportam-se ao reino de David e Salomão - ano 1000 a. C. - e os palestinianos à conquista pelos árabes em 636 d. C. Desde o século XIX, o movimento político sionista lutou por um Estado para o povo judeu - pensou-se na Palestina e também noutras regiões. Assim, embora a tenha apressado, o Holocausto não foi a causa da criação do Estado judaico. Em 29 de Novembro de 1947, por maioria sólida e com o beneplácito dos Estados Unidos e da antiga União Soviética, as Nações Unidas aprovaram a divisão da Palestina em dois Estados: um Estado árabe e um Estado judaico, com fronteiras claras, a união económica entre os dois e a internacionalização de Jerusalém sob a administração das Nações Unidas. Note-se que, apesar de a população árabe ser quase o dobro e os judeus estarem então na posse de 10% do território, ficariam com 55% da Palestina.O mundo árabe rejeitou a divisão. Mas, à distância, mesmo admitindo a injustiça da partilha e suas consequências - é preciso pensar na fuga e expulsão dos palestinianos -, considera-se que a recusa árabe foi "um erro fatal" (Hans Küng). Isso é reconhecido hoje também pelos palestinianos, pois acabaram por perder a criação de um Estado próprio soberano pelo qual lutam. Em 15 de Maio de 1948, terminava o mandato britânico sobre a Palestina e Ben Gurion proclamou o Estado de Israel. A resposta árabe (palestinianos e Estados árabes vizinhos) não se fez esperar, e deflagrou a primeira de seis guerras. Entretanto, o Estado de Israel continua a não ser aceite por muitos árabes e há judeus que acalentam a tentação do sonho de um Estado que abrangesse toda a Palestina. E aí está um dos focos principais de instabilidade mundial.Como já deveria ter-se tornado claro, a guerra não gera a paz, que só pode chegar mediante o diálogo, a diplomacia, cedências mútuas, com dois pressupostos fundamentais: o reconhecimento pelos Estados árabes e pelos palestinianos do Estado de Israel e o reconhecimento por Israel de um Estado palestiniano soberano viável (é pura utopia irracional pensar em Jerusalém como capital dos dois Estados ou na sua internacionalização?).No conflito do Médio Oriente, estão envolvidos homens e mulheres que de um modo ou outro estão vinculados às três religiões monoteístas. A mensagem dessas religiões, apesar de todas as tragédias históricas, é de paz. Lê- -se em Isaías: "Transformarão as suas espadas em relhas de arados, e as suas lanças, em foices. Uma nação não levantará a sua espada contra outra e não se adestrarão mais para a guerra." No Sermão da Montanha, Jesus declarou "bem-aventurados os construtores da paz, porque serão chamados filhos de Deus". No Alcorão, apesar da exortação à "preparação de toda a força" contra os infiéis, ordena-se: "Mas se eles se inclinarem para a paz, inclina-te tu também para ela. E confia em Deus!"O conflito do Médio Oriente é sobretudo político. Mas, como escreveu o teólogo Hans Küng, em duas volumosas obras fundamentais - O Judaísmo e O Islão -, não haverá paz nem no Próximo nem no Médio Oriente enquanto os membros das três religiões monoteístas, que se reclamam de Abraão, se não tornarem activos politicamente, impedindo o fanatismo religioso.Assim, com base na Bíblia hebraica e no Novo Testamento, judeus e cristãos devem empenhar-se no reconhecimento da dignidade dos povos árabes e islâmicos, que "não querem ser as últimas colónias" sobre a Terra. Com base no Alcorão e no Novo Testamento, muçulmanos e cristãos devem comprometer-se com a exigência do reconhecimento do direito à vida do povo judaico, que "sofreu mais do que todos os outros ao longo dos últimos dois mil anos".Com base na Bíblia hebraica e no Alcorão, judeus e muçulmanos devem empenhar-se a favor da "liberdade ameaçada das comunidades cristãs" em muitos países do Próximo e do Médio Oriente.
Comments:
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Talvez haja também um problema teológico mas,na minha humilde opinião, continuo a achar que é sobretudo um problema de controlo de recursos (agua, petroleo,gaz,terra) e de poder.
Eu creio que o artigo pretende afirmar que "não" é um problema teológico.
O caso israelita-palestiniano é mesmo um caso de simples disputa sobre um status quo: como costume dizer, quem controla o Estado em que Km2.
Existem outros conflitos onde sim, esses factores são mais vísiveis, nascendo da mania do imperialismo economico (isto é, a ajuda do Estado a interesses economicos particulares em nome de um certo "nacionalismo", que nao teriam lugar num ambiente de liberdade economica) e influencia politica.
O caso israelita-palestiniano é mesmo um caso de simples disputa sobre um status quo: como costume dizer, quem controla o Estado em que Km2.
Existem outros conflitos onde sim, esses factores são mais vísiveis, nascendo da mania do imperialismo economico (isto é, a ajuda do Estado a interesses economicos particulares em nome de um certo "nacionalismo", que nao teriam lugar num ambiente de liberdade economica) e influencia politica.
Acho que não me expressei bem (como é costume).
O problema teológico existe mas, considero que é exacerbado e usado para atingir objectivos puramente economicos.
Se tiver tempo, gostaria de entender melhor no que é que se traduz a "liberdade economica" de que tanto fala.
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O problema teológico existe mas, considero que é exacerbado e usado para atingir objectivos puramente economicos.
Se tiver tempo, gostaria de entender melhor no que é que se traduz a "liberdade economica" de que tanto fala.
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